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Previdência, seguridade social e a primeira bola fora do novo governo Dilma

(*) Fabio Gonçalves Rosa

São muito preocupantes as últimas ações do Governo Federal em relação aos direitos dos trabalhadores. Para além do ?mais do mesmo? – cobrar de quem trabalha a conta de um suposto ?déficit? – aflige mais a confirmação do distanciamento do que seria um projeto democrático de seguridade social.

A Constituição prevê que a seguridade social ?compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social? (Art. 194, caput). Mais do que a mera legalidade, que sempre deve ser observada com cautela, o texto e sua continuação nos remetem a um complexo sistema de cuidado que se pretende universal na cobertura, diversificado no financiamento e, sobretudo, democrático. A previdência aparece associada à saúde e à assistência social e é lida como um direito (tal como os outros dois).

Na Inglaterra, medidas de seguridade social existentes desde o século XVI garantiram uma qualidade de vida superior em relação aos outros trabalhadores europeus, em meio à grande instabilidade econômica e precarização das relações de trabalho ocorrida no século XVIII (MANTOUX, 1988). Do mesmo modo, na Europa pós segunda guerra tais medidas foram fundamentais para o avanço do bem-estar e da cidadania. É inegável o papel que uma seguridade social robusta tem na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos de um país. A lógica do cuidado com o outro e da proteção a quem se encontra temporária ou permanentemente vulnerável é um marco civilizatório.

Um dos grandes problemas que se têm enfrentado na implementação de uma seguridade social abrangente e democrática é a disputa do conceito de previdência. Se para os constituintes ela está umbilicalmente ligada à saúde e à assistência social e deve ser lida como direito, para os governantes e o mercado financeiro parece não passar de mais uma modalidade de seguro. No primeiro modelo prevalece a diversidade de fontes de financiamento (art. 194, VI, CF) com o objetivo de garantir direitos. No segundo, tende-se a priorizar a contribuição individual e o objetivo deixa de ser a garantia de direitos e passa a ser ?sustentabilidade? dos fundos.

Daqui em diante, não fica muito difícil perceber qual definição do conceito tem vencido a disputa. Direitos assegurados constitucionalmente são deveres do Estado e não podem ser tratados como mera opção orçamentária. No entanto, como a previdência tem sido entendida como seguro, o mercado financeiro tem sempre pronta uma vultosa fatura a ser cobrada, apresentada como ?déficit? ou o popular ?rombo?, que pode ser traduzido no seguinte: o dinheiro que o Estado gastou com a seguridade social de seus cidadãos em vez de economizar para pagar os juros de uma dívida que nunca foi auditada.

É aqui que entra o Governo, na hora de fazer escolhas políticas. O que se espera politicamente de um governo do Partido dos Trabalhadores é que seja intransigente na defesa de direitos, que uma vez assegurados, não podem ser tratados como ?rombo?. Espera-se que o governo de um partido que surgiu, sobretudo, do sindicalismo operário, prefira ter que lutar contra todo o aparato do mercado financeiro e dos oligopólios da grande mídia, a avançar sobre um direito sequer de algum trabalhador.

É o que se espera, mas não o que se vê. Em vez de fortalecer o modelo universalizante de seguridade social previsto pela Constituição, a presidenta Dilma dá mais um passo na direção contrária com as últimas medidas anunciadas. A previdência vai sendo cada vez mais recortada, isolada do contexto da seguridade social e depreciada, como um seguro privado que dá prejuízo. A infinita fatura, mais uma vez, terá de ser paga por quem menos tem condição de arcar com ela: o trabalhador.

Começa mal o Governo que venceu nas urnas como opção ao arrocho e à austeridade neoliberal. Espero que Dilma compreenda a tempo qual foi o programa vitorioso (que certamente não foi o da precarização). Caso contrário, além de seguidas violações e avanços contra os diretos dos trabalhadores, teremos a adaptação para a política do que Ronaldinho Gaúcho faz nos campos: para confundir o adversário, olha para a esquerda e toca para a direita.

Referências:

BOSCHETTI, Ivanete. A reforma da previdência e a seguridade social brasileira. In: Reforma da Previdência em Questão. Editora UnB, 2003.

MANTOUX, Paul. A revolução industrial no século XVIII ? estudo sobre os primórdios da grande indústria moderna na Inglaterra. Unesp/Hucitec, 1988.

(*) Diretor de Assuntos Previdenciários e Aposentados do Sinagências