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Um projeto que limita o Estado e inviabiliza a extensão dos serviços públicos

Por Flávio Tonelli Vaz¹

O governo enviou ao Congresso um Projeto de Lei Complementar (PLP n.º 1, de 2007) que altera a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o objetivo da “contenção do crescimento do gasto com pessoal do governo federal, [por meio da] criação de um teto de 1,5% para o crescimento real anual da folha de pagamento da União”. A aplicação desse limite, por 10 anos como estabelecido na proposta, num cenário de crescimento econômico, representa uma grande diminuição dessas despesas frente ao PIB. O PLP 1 foi anunciado em conjunto com o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, mas, a sua implementação se contrapõe às medidas pró-crescimento econômico do PAC, pois o seu maior efeito é incapacitar o Estado para o exercício do seu papel de emulador do crescimento, regulador e fiscalizador da atividade econômica e instrumento da cidadania por meio da devida prestação de serviços públicos de qualidade.

É preciso discutir as conseqüências que decorrerão da aprovação desse projeto.

1) AS DESPESAS DE PESSOAL REPRESENTAM UM CONJUNTO MUITO DÍSPAR DE ITENS. Envolvem questões como: a) ativos e inativos; b) servidores civis e militares; c) quadro efetivo, funções de confiança e despesas com terceirização de pessoal; d) vencimentos e subsídios (membros dos poderes); e) remuneração e despesas com encargos. O estabelecimento de um limite único, mesmo por Poder, poderá criar grandes distorções e gerar conflitos de natureza política.

Como complicador, cada um desses itens de despesas varia de acordo com fatores que têm dinâmica própria. São exemplos desses fatores: a) reajuste da remuneração; b) promoção e progressões nas carreiras; c) acesso a gratificações de titulação; d) reposição de servidores aposentados; e) ampliação do quadro de pessoal ativo; f) aumento do número de aposentados e pensionistas; g) remuneração dos membros dos poderes; h) leis que ampliem outras despesas de pessoal (como a regulamentação da aposentadoria complementar dos servidores) etc. Vê-se que muitos dos fatores independem de atos praticados pelo gestor ou mesmo de alterações normativas.

2) O PROJETO TRABALHA COM UM ÚNICO PARÂMETRO PARA O LIMITE. O PLP 1 toma por referência única a inflação. Dos muitos fatores que ampliam as despesas de pessoal, apenas o reajuste da remuneração guarda um vínculo com a inflação. Outros fatores, como o aumento populacional, farão crescer as demandas pela ampliação dos serviços de saúde, educação, justiça etc.; outros, como o crescimento ou a diversificação do processo econômico, terão efeito direto sobre serviços de fiscalização, regulação, controle etc. Há ainda fatores externos que podem demandar ampliação de serviços, como os de segurança pública. A demanda pela ampliação dos serviços públicos impacta diretamente as despesas de pessoal, por exigir o aumento do quadro de servidores ativos.

3) O PROJETO ESTENDE ESSES LIMITES POR MUITO TEMPO. Ao prever uma duração de 10 anos, o limite pode entrar em descompasso com a realidade. Nesse período, o IBGE estima que a população irá crescer 13%. E, com o PAC, a economia estará 60% maior. Nos próximos dez anos, tanto a taxa de crescimento populacional (pouco superior a 1% ao ano), quanto a do econômico (espera-se acima de 4% ao ano) são superiores ao permitido para o aumento real das despesas de pessoal (de 1,5% ao ano). É impraticável, politicamente, congelar a capacidade de estado de prestar serviços públicos à altura da demanda dessa nova realidade.

4) O PROJETO INVIABILIZA PROGRAMAS E AÇÕES DE GOVERNO. Vários programas e ações de governo em andamento, ou anunciados dependem da expansão dos quadros de pessoal e da implantação e valorização de planos de carreira. Na Justiça, a ampliação, a interiorização e implantação das varas especializadas e a implantação da defensoria pública federal. Na Saúde, a implementação do Pacto pela Saúde (um conjunto de reformas institucionais do SUS). Na Educação, as medidas do PAC Educação, como a expansão da rede federal de educação tecnológica, a implantação das instituições federais de ensino superior já aprovadas e em fase de aprovação, e ainda aborta a discussão do projeto de Universidade Nova, que permitiria ampliar o acesso a mais de 200 mil estudantes por meio da implantação do bacharelado interdisciplinar. A aprovação do PLP 1 dificultará até mesmo a reposição dos servidores que se aposentarem.

5) O RELATOR PRETENDE ESTENDER ESSE LIMITE PARA ESTADOS E MUNICÍPIOS. O relator informou que pretende estender esse limite para estados e municípios, o que precarizaria ainda mais a prestação de serviços públicos como de educação, saúde e segurança, que são altamente demandantes de pessoal. Poderão ser enterradas quase todas as medidas para a ampliar as medidas de segurança nos estados. Seria inviável também a implantação do piso salarial nacional do magistério, uma importante medida do FUNDEB.

6) O PROJETO IMPEDE CORREÇÕES DE DISTORÇÕES NA ESTRUTURA DE REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO. A aprovação do PLP congela a capacidade governamental de corrigir as distorções existentes na estrutura remuneratória dos servidores, torna proibitiva a continuidade da Mesa de Negociação com os servidores e deixa o governo na dificílima condição de ter que escolher entre a reposição do poder de compra dos salários ou a mínima expansão dos serviços públicos.

7) O PROJETO É UM ÓBICE À AÇÃO DO ESTADO. Nesse momento em que o PAC devolve o Estado nacional a uma posição de emulador do desenvolvimento é um contra-senso limitar a sua capacidade de ação, especialmente na prestação de serviços públicos, quer os voltados para a expansão da cidadania, quer para a regulação e fiscalização do mercado.

O PROJETO É MAIS UMA CONCESSÃO ÀS MEDIDAS DE RESTRIÇÃO DO ESTADO. As despesas de pessoal não representam concretamente nenhum descontrole. Frente ao PIB, caíram de 5,2% para 4,7%, nas médias verificadas no último mandato de FHC e do primeiro do Governo Lula. Com relação à Receita Corrente Líquida, a queda foi muito mais acentuada, de 27,2% para 22,6%, nos mesmos períodos. Com relação à quantidade de empregos públicos frente à população, o Brasil fica abaixo de muitos países, inclusive os que mais defendem o ideário liberal. Com relação ao ano de 2001, os dados da OCDE indicam que o Brasil tem 4,9% da população ocupada pelo setor público. A Alemanha e EUA têm 6,6%; Reino Unido, 7,5%; Itália, 8,2%; Canadá, 9,1%; França, 10,5%; Suécia 17,3%; Dinamarca, 18,5%² . Nesse contexto, a aprovação do PLP 1 é mais uma medida para redução dos gastos correntes do Estado, com sérias conseqüências para a prestação dos serviços públicos.

Não é por outro motivo que as entidades sindicais estão a pedir a retirada do projeto. Essa não é uma questão simples, a ser enfrentada pelos servidores e suas entidades sindicais. Ela diz respeito a toda a sociedade, que precisa se envolver, para impedir a aprovação deste projeto.

¹ Flávio Tonelli Vaz é assessor técnico da Liderança do PCdoB e membro do corpo técnico do DIAP. O conteúdo desta nota é de inteira responsabilidade do autor.

² Os dados foram publicados em “Exigências da nova pobreza”, de Marcio Pochmann, Valor Econômico 22/02/2007