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Quem já está no mercado de biodiesel há algum tempo deve ter tido uma sensação de déjà vu quando o colunista da revista Época, Felipe Patury, publicou uma nota informando que a diretoria da ANP havia anulado um auto de infração que poderia render à petroleira OGX – joia da coroa do poderoso Eike Batista –, uma multa que poderia chegar a R$ 15 milhões. De quebra, a agência também havia punido o funcionário responsável por lavrar o documento, o especialista em regulação Pietro Adamo Sampaio Mendes.

O caso rapidamente ganhou contornos de escândalo à medida em que o caso se desenvolvia. A ANP acusou Mendes de exceder os limites de sua competência, enquanto o servidor reclamou de perseguições descabidas por simplesmente ter feito seu trabalho de forma zelosa.

19º Leilão
Essa não é a primeira vez que Mendes e a autarquia do Governo Federal se envolvem nesse tipo de situação. Em setembro de 2010, ele foi o responsável por desabilitar a Fiagril depois de ter flagrado erros primários na documentação apresentada pela usina mato-grossense durante o processo de habilitação para o 19º Leilão de Biodiesel – a usina havia preenchido os documentos com o CNPJ errado. A decisão do funcionário irritou a diretoria da agência que, no fim das contas, não somente permitiu que a Fiagril concorresse como ainda afastou o servidor de seu cargo.

Mendes precisou recorrer à justiça para reverter essa punição e salvar sua carreira.

O que torna o caso particularmente problemático é que tudo indica que o servidor não cometeu nenhum erro. Um levantamento feito por BiodieselBR.com, na época em que o caso veio à tona, mostrou que erros similares aconteceram nos leilões 17, 18, 19 e 20. No cômputo final, usinas que nem poderiam ter concorrido faturaram R$ 333,5 milhões.

Enrosco burocrático
O caso atual é igualmente complicado e está assentado sobre minúcias do funcionamento interno da ANP. A alegação da agência é que o Mendes abusou de suas prerrogativas e atropelou a cadeia de comando da Superintendência de Segurança e Meio Ambiente (SSM), ao lavrar o auto de infração contra a OGX, mesmo depois do superintendente da área, Raphael Neves Moura, ter designado outro servidor para cuidar da questão.

Em entrevista à BiodieselBR.com, Mendes conta uma história bem diferente. De acordo com o servidor, o despacho em questão foi encaminhado diretamente a ele pela superintendente adjunta de Segurança Operacional e Meio Ambiente, Caroline Marques, em novembro passado. Tratava-se de um pedido feito pela OGX para que uma de suas plataformas fosse dispensada da instalação de uma válvula de segurança. Contudo, como a documentação enviada inicialmente foi considerada incompleta (faltava precisamente a análise que deveria comprovar que os riscos de operar a plataforma sem o equipamento haviam sido mitigados de alguma outra forma), o processo foi encaminhado de volta à petroleira, que teve, pelo menos, mais três meses para colocar a papelada em ordem.

Acontece que, quando o processo retornou para suas mãos em fevereiro, Mendes avaliou que as informações adicionadas ainda eram insuficientes. Por isso, ele elaborou o auto de infração e o despachou para Raphael Moura que teria a prerrogativa de conduzir o processo a partir daí e decidir se a empresa seria ou não multada.

Foi nesse ponto que a situação começou a sair dos trilhos e virou uma bola de neve. Mendes foi colocado à disposição da Superintendência de Recursos Humanos (SRH) – sendo informado que poderia ser transferido do Rio de Janeiro para a Região Norte – e, ainda, teve o nome publicado numa nota surpreendentemente áspera que a ANP veiculou através de seu website. Veja a nota na íntegra aqui, direto no site da ANP.

“Não consigo entender o porquê disso. Um auto de infração é uma coisa de rotina, sem nada de especial. Outras empresas já passaram pela mesma situação e não houve algo parecido, até porque o auto não é final, ele admite defesa. No meu entender eu só fiz o meu trabalho e isso não é motivo para que alguém seja punido”, resigna-se Mendes.

Não para por aí. De acordo com um relato do caso publicado pela Associação dos Servidores da ANP (Asanp), nos bastidores, Mendes teria sido pressionado de diversas formas para se retratar publicamente. Segundo a Asanp, um segundo servidor, que teria saído em defesa de Pietro em uma reunião com a diretoria da agência sobre o assunto, chegou a tomar uma descompostura da própria diretora-geral do órgão, Magda Chambriard, que teria perguntado se era amigo ou parente de Mendes para estar defendendo-o.

“O clima é de comoção”, define o presidente da Asanp, Claudio Rocha ao ser questionado sobre como os demais funcionários da agência estão digerido o caso. Segundo ele, há uma “percepção de que um servidor que atuou corretamente está sendo perseguido”. “E mesmo que ele [Mendes] estivesse tecnicamente errado, um servidor não pode ser perseguido simplesmente por realizar seu trabalho”, protesta.

“O que está em jogo não é só a situação pessoal dele [Mendes], mas a autonomia funcional de todos os servidores da ANP e das agências reguladoras em geral”, prossegue Rocha, garantindo que casos similares não chegam a ser incomuns, mas, geralmente, não recebem visibilidade porque os servidores envolvidos acabam cedendo quando ficam acuados. De qualquer forma, a categoria parece estar com a paciência por um fio. Rocha diz que um ato convocado no começo do mês pelo Fórum de Associações de Servidores das Agências Reguladoras reuniu cerca de 400 em frente à ANP.

Quanto a Mendes, novamente ele está confiando que a justiça vai garantir que ele continue a trabalhar na ANP. No caso anterior, a justiça lhe deu ganho de causa em primeira instância, mas a ANP recorreu e, agora, o processo está a espera de julgamento pelo Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro.

Contatada pela reportagem de BiodieselBR.com, a ANP, por meio de sua assessoria de imprensa, se limitou a informar que a posição oficial da agência já havia sido dada na nota oficial publicada em 24 de abril.

Fonte: Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com