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Para o antropólogo americano William Ury “existem basicamente três meios de resolver um conflito: poder, direitos ou interesses. O melhor deles é por interesses, o pior, pelo poder”. Não é necessária uma análise muito profunda para se concluir que na recente greve o Governo optou por impor a força do poder do Executivo, estabelecendo uma vontade unilateral à maioria das representações dos servidores públicos, que receberão, de maneira parcelada, reajustes que sequer cobrem a metade das perdas inflacionárias dos últimos anos.

Diferentemente do governo anterior que, pelo menos no final de seu mandato, teve uma convivência harmoniosa com os servidores, o atual governo impôs um arremedo de negociação, arrastada por meses, e ao final sequer obedeceu as garantias mínimas previstas no art. 37, X da CF: "É assegurada revisão geral anual dos subsídios e vencimentos, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

Devemos recordar que antes dos movimentos começarem a proposta do Governo era reajuste “Zero”, como justificativa a interminável crise econômica Europeia. Para conseguir dobrar o movimento grevista, utilizou-se de métodos da cartilha Neoliberal, tão em voga nos anos 90, liberando à imprensa análises econômicas que atribuem problemas ao Estado brasileiro como se decorrentes do setor público: “déficits” nas contas públicas e no sistema previdenciário. Houve, no entanto, um silêncio eloquente sobre o grande responsável pelo “escoamento de dinheiro” nas contas públicas: o pagamento de juros e encargos da dívida.

Saindo desse enfoque maniqueísta, há aqueles que acreditam no papel estratégico do Estado no processo de desenvolvimento e sabem que este não poderá cumprir com suas obrigações se não possuir um quadro de servidores dedicados e estimulados. Um município, um estado ou a União tem em seu alicerce o esforço, a dedicação e o trabalho de milhares de servidores. Esses cidadãos carregam consigo a responsabilidade de estabelecer um elo entre o Poder Público e a sociedade, prestando serviços essenciais à população.

É tarefa árdua desmistificar algumas premissas que permeiam o serviço público. Entender algumas considerações é um grande passo para melhor julgar o servidor:

1) Há, no Brasil, uma baixa relação servidor/habitante, situação muito abaixo da média mundial [1];

2) Há um baixo peso relativo entre emprego público e total de ocupados num comparativo internacional [2]. Mesmo em um comparativo com países latino-americanos a relação brasileira é inferior a de muitas Nações, só sendo melhor que a de países muito pobres;

3) Há, de maneira geral, pouca variação no quantitativo do emprego público, bem como pouco aumento substancial da folha a ponto de impactar significativamente o gasto com pessoal;

4) O montante que a União gasta em percentual do PIB com despesas de pessoal, civis e militares, nas três esferas do governo, inclusive aposentados e pensionistas, vem mantendo-se estável.

Todas essas afirmativas sequenciadas anteriormente são levadas à sociedade de maneira distorcida, com má fé, estimulando uma opinião crítica sobre os servidores, suas obrigações e remunerações. A existência de um Estado de Welfare State caracteriza-se também pela ampla oferta de serviços públicos, baseados em políticas sociais universalistas, que, para serem executadas, necessitam de mão de obra qualificada no setor público.

A greve de quase 370 mil servidores federais, distribuídos em cerca de 30 categorias, e as consecutivas quedas do nível de atividade industrial, pouco incremento do PIB e da arrecadação federal demonstram que a crise econômica está cada vez mais presente no cotidiano dos brasileiros. Além desse quadro ruim, a inflação permanece em patamares elevados, corroendo a renda dos trabalhadores. Mesmo assim, o governo federal mostrou-se intransigente em relação às pautas dos grevistas.

Um paradoxo é visto quando são anunciadas novas privatizações e incentivos para o empresariado. As desonerações tributárias com o propósito de incentivar a economia estão a todo vapor, inclusive com novos setores de atividade sendo incluídos para 2013. Mas como resultado para a economia, por enquanto, quase nada.

Quando o assunto é o legí­timo direito, a busca por justiça e melhores remunerações e condições de trabalho, com par­al­is­ações das ativi­dades e reivin­dicações, volta à cena o descaso com o servidor. E como são irônicas algumas evidências. Os AFRFB – em greve por entenderem que além do descumprimento do artigo 37, inciso X, CF, há o descumprimento da lei 10.331/2001, que define a data-base para efeito de reajuste anual, sem distinção de índice; por almejarem a regulamentação da Convenção 151, da OIT, que estabelece regras permanentes para a negociação coletiva no serviço público – são justamente aqueles que fiscalizam, que mais contribuem para o pleno exercício da arrecadação federal, tão retraída pelos efeitos do desaquecimento econômico e das desonerações. A quem interessa manter um quadro de servidores de Estado desmotivado, destreinado, e sem a reposição de perdas remuneratórias dos últimos 4 anos? Com certeza os sonegadores e fraudadores estão a aplaudir.

Reconhecer o trabalho do servidor público é fundamental para melhorar os serviços prestados à sociedade. Por outro lado, questionar seus atributos, seus rendimentos ditos “generosos”, sua presença maciça em prol da sociedade, e, principalmente, seus direitos adquiridos, em nada contribui para melhorar o serviço público, tampouco para alavancar a economia. E somente valorizados e motivados, poderão prestar um serviço público de excelência e qualidade.

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[1] IPEA: Comunicado da Presidência. Emprego Público no Brasil: Comparação Internacional e Evolução, março de 2009.

[2] Idem (1) 

Floriano Martins de Sá Neto, auditor-fiscal da RFB e presidente da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social