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O Possibilismo e a formação de comuns na Regulação

Por Fabio Rosa¹

 

            Não raro, em momentos como o que vivemos, quando as negociações com o Governo afunilam-se para um desfecho, o movimento dos trabalhadores é turbado por uma avalanche de tentativas de pulverização da pauta. São os abaixo-assinados, as ações isoladas de grupos que buscam resguardar os interesses de determinado cargo e as proposições de pactos pelo “mínimo”. É a política do “salve-se quem puder” ou “farinha pouca o meu pirão primeiro”.

            Antes de mais nada é preciso problematizar tais iniciativas. As mesmas, além de carecerem de legitimidade e efetividade também podem se converter num fator de enfraquecimento da mesa de negociações. Falta legitimidade a tais ações, uma vez que, na maioria das ocasiões, elas surgem de um grupo determinado, fora de um amplo debate na categoria. Além do mais isso costuma se dar fora das instâncias competentes (sobretudo o CONSAG) e até mesmo fora do coletivo sindical, o que torna sua efetividade nula, sem qualquer valor legal.

            Outro ponto importante para o qual cabe destaque, é o rebaixamento que esse tipo de iniciativa traz, uma vez que se propõe a aceitar algo muito aquém do que está sendo negociado e o pior: antes de uma negativa formal do Governo. Relembremos da proposta protocolada no MPOG, aprovada no CONSAG de Natal 2014:

 

Reivindicações 2015 a 2017:

• Reorganizar as Carreiras e Cargos das Agências Reguladoras em carreiras e cargos transversais a todas as Agências, respeitando-se as especificidades de cada ente regulador, buscando a unificação dos cargos de cada Nível de escolaridade em um único cargo por Nível, racionalizando os cargos integrantes dos quadros de pessoal Específico e Efetivo. Ficando a denominação da Carreira e dos respectivos Cargos, para definição na negociação com o Governo;

• Resgatar os cargos de Nível Auxiliar, integrantes do Plano Especial de Cargos das Agências Reguladoras e do DNPM, para seus respectivos enquadramentos na condição de Nível Intermediário dos referidos Planos Especiais de Cargos, a exemplo do já realizado em diversos órgãos da administração federal, considerando do nível de escolaridade do ocupante do cargo;

• Mudança do pré-requisito de ingresso para formação superior, nos cargos de Técnico em Regulação e Técnico Administrativo, ou a denominação que venha a ser definida na reorganização da carreira para o exercício destas competências nas Agências Reguladoras;

• Construir uma proposta de Tabela Remuneratória Exclusiva para as Agências Reguladoras, com mais três níveis de progressão, garantido a paridade plena entre cargos de mesmo nível de escolaridade, elevando o percentual de correlação no NI com o NS a 68% (sessenta e oito por centro), com teto remuneratório para cargos de Nível Superior correlato ao teto das demais instituições de Estado;

• Ter remuneração na forma de Subsídio, com um único vencimento básico incorporando as gratificações ao VB.

 

Tendo em vista que a proposta original feita ao Governo, que envolve reestruturação da carreira com remuneração por subsídio, equiparação do nível superior com o ciclo de gestão (carreiras de Estado) e, para nível médio, correlação de 68% disso, ainda não foi negada formalmente, não há motivo racional para se fazer qualquer movimento como abaixo-assinado solicitando algo que está muito abaixo do reivindicado.

Apesar dos referidos problemas, que são de conhecimento geral, gostaria de me ater especificamente a outra característica que norteia quase a totalidade da construção desses consensos “mínimos”: o possibilismo seletivo.

Uma análise de conjuntura honesta, materialista, com os “pés no chão”, sem sombra de dúvidas é fundamental para qualquer passo que se dê como movimento organizado de trabalhadores rumo a um objetivo comum. A leitura adequada da realidade, entretanto, não pode desaguar num espírito possibilista na construção dos nossos objetivos para a Regulação Federal, para a carreira e para o Estado brasileiro.

Entender as complexidades envolvidas no atual cenário é bem diferente de aceitar que determinadas condições estão dadas, são invencíveis, e, portanto, não existem alternativas para as questões postas. A carreira e a Regulação que queremos, assim como tudo que já conquistamos até hoje, será síntese de organização, mobilização, inteligência política e muitas lutas. Tão falso como dizer que nossos avanços vêm do acaso é presumir que há pautas “impossíveis” a priori.

O possibilismo é um erro de compreensão e de estratégia que termina por aleijar  as pautas reivindicatórias. Numa perspectiva possibilista, o piso transforma-se no teto e o que era pra ser concessão, etapa de acumulação, torna-se o ponto final a ser alcançado. Nosso horizonte se estreita, bem como nossa crítica e, no limite, deixa de haver qualquer necessidade da existência de organização, uma vez que as condições estariam supostamente dadas e impassíveis de transformação.

Mais grave, entretanto, para o conjunto do movimento sindical, é o possibilismo seletivo. É comum nos depararmos com questionamentos do tipo “há dez anos insistimos na estruturação da carreira (regulador federal) e o Governo nega. Por que insistir?”.

Creio que a resposta mais adequada comece pela compreensão de que não podemos ser pautados pura e simplesmente pelas negativas do Governo, mas sim pelos parâmetros que deliberamos como categoria. Se seguíssemos o mesmo raciocínio, também estaríamos nos perguntando “por que insistir no subsídio?” ou “por que insistir na equiparação com o ciclo de gestão?”, uma vez que apesar de sinalizações, já recebemos várias negativas nesse sentido.

Esse possibilismo seletivo é muito nocivo para a própria essência do movimento sindical. A construção desse passa pelo fortalecimento dos comuns entre os trabalhadores que atuam na atividade regulatória, seja de forma direta, seja nos cargos de gestão e suporte. Caso não fortaleçamos esses comuns, em vez de sindicato, teremos diversas corporações de ofício, que, sem diálogo com a sociedade ou vínculo com o fortalecimento de um projeto maior, busca apenas garantir seus interesses corporativos de forma acrítica, sem reflexão sobre a Regulação, seus impactos e subjetividades.

Devemos, nesse momento, ter serenidade para seguirmos unidos, controlando a ansiedade e sobretudo respeitando as instâncias que definiram essa proposta ainda no CONSAG  de 2014. Tão logo o Governo se manifeste aceitando ou negando formalmente nossos pleitos ou fazendo uma contraproposta, as assembleias serão convocadas nacionalmente para que se discuta a aprovação/rejeição ou a construção de alternativas. Não vamos queimar a largada!

 

¹Fábio Rosa é Diretor de assuntos previdenciários e aposentados do Sinagências