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Empresas têm relação íntima com reguladoras

Com frequência, diretores trocam agências por empresas que antes fiscalizavam. Na Aneel, 20 foram acusados; projeto de lei pretende fazer reforma para evitar tráfico de influência em agências. Para eles, período de 4 meses de afastamento antes de ir para o setor privado é suficiente para "descontaminação".

Está prestes a voltar à pauta do Congresso Nacional o projeto que pretende reformar as dez agências reguladoras. A CPI das Tarifas Elétricas e a reativação da Telebrás aceleraram o processo.
O objetivo é fechar as brechas que hoje permitem tráfico de influência e conflitos de interesse entre reguladores e concessionários.

Recentemente, 20 diretores da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) foram acusados de favorecimento às empresas privadas pela CPI das Tarifas de Energia Elétrica.
"Os cálculos das tarifas estavam errados, o TCU [Tribunal de Contas da União] já tinha informado a Aneel sobre isso e, mesmo assim, nada foi feito", afirma o deputado federal Alexandre Santos (PMDB-RJ), relator da CPI.

"Comprovamos a existência de uma rede de favorecimentos formada por pessoas que já atuaram na agência e migraram para as concessionárias," diz Santos.

Quatro dos sete presidentes da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) foram trabalhar em operadoras que antes fiscalizaram.

No sentido inverso, três dos cinco diretores da ANS (Agência Nacional de Saúde) atuaram em companhias que hoje regulam.

Credibilidade em baixa

Recentemente, a reativação da Telebrás trouxe à tona conflitos de interesse. Funcionários da Anatel, que têm informações das teles, agora competirão com elas ao retornarem à estatal.

"As agências correm o risco de ficarem mais fracas", diz o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ), autor do projeto da reforma.

Em 2003, um dos conselheiros da Anatel deixou seu posto para ajudar a fundar a operadora "Primeira Opção" no sul do país. O processo para obtenção da autorização foi um dos mais ágeis.

Diretor da ANP (Agência Nacional de Petróleo), Victor Martins teve seu nome envolvido numa suposta ação para beneficiar prefeituras que teriam contratado a consultoria de sua mulher.

Martins conduziu, em 2007, o trabalho de recálculo de participações especiais (espécie de royalty por campos de petróleo de alta produtividade), que gerou um pagamento extra de R$ 1,3 bilhão pela Petrobras.

Um dossiê indicou que prefeituras foram beneficiadas com parte desse pagamento extra. Em outros países, o que resolveu o problema foi a implementação de políticas de transparência. Todas as reuniões das agências foram abertas ao público, documentos, colocados na internet, abertos aos cidadãos. Criaram-se comissões com representantes do governo e da sociedade civil que monitoram todas as decisões.

Ex-diretores defendem quarentena

Ex-dirigentes e representantes das agências consultados pela Folha afirmaram que o único impedimento para a transferência de diretores das agências para o setor privado é o cumprimento da quarentena de quatro meses.

Em tese, esse é o prazo de validade de informações privilegiadas de um setor antes de caírem em domínio público. Durante esse período, o funcionário fica afastado recebendo salário, que é pago pela agência.

Segundo o Sinagências, sindicato que representa funcionários das reguladoras, o que leva a essa transferência é a falta de um plano de carreira nos órgãos públicos. "É por isso que eles partem para a iniciativa privada", diz João Maria de Oliveira, presidente do Sinagências.

Em nota, a Anatel diz possuir em sua estrutura uma corregedoria, uma auditoria interna e uma comissão de ética. Afirma estar submetida ao controle da Corregedoria Geral da União e ao Tribunal de Contas da União.

Sem conflitos

Casos de funcionários que ferem o regimento se transformam em processos administrativos internos que podem servir de base para processos criminais.

Fora da ANP (Agência Nacional do Petróleo) desde junho de 2008, o ex-diretor Newton Monteiro presta consultoria para a OGX, do empresário Eike Batista. "Não vejo conflito. Trabalhei 38 anos na Petrobras e sete anos na ANP, sempre na área de exploração e produção. Atualmente, tenho uma consultoria nesta área, na qual fiz toda a minha carreira", diz Monteiro. "As informações do setor são dinâmicas e tornam-se públicas rapidamente."

Eloy Fernandez saiu da direção da ANP em 2002 e assumiu a direção-geral da Onip (Organização Nacional da Indústria do Petróleo) no ano seguinte. "O nosso foco é fortalecer a cadeia de empresas fornecedoras, e não a política energética [papel da ANP]", diz Fernandez.

O diretor da ANP, Victor Martins, disse que a empresa de sua mulher "não presta e nunca prestou serviços" a prefeituras beneficiadas pelo pagamento adicional de R$ 1,3 bilhão pela Petrobras.

"A afirmação é baseada em material apócrifo, cujo conteúdo é falso e atribuído à Polícia Federal, que negou sua autoria," disse.

A Aneel não ligou de volta até o fechamento desta edição.

Fonte: Folha de São Paulo