fbpx

Grau de investimento e agências reguladoras

Edvaldo A. de Santana

O Brasil ter alcançado o grau de investimento significa uma importante mudança de paradigma em termos de atração de capitais produtivos, que contribui mais ainda para o ciclo virtuoso de crescimento da economia. A estrada até o grau máximo (o triplo A) ainda é longa, mas funciona como incentivo para a melhoria contínua e como motivação para a superação de alguns obstáculos. Vários desses entraves são, de certa forma, previsíveis e têm relação direta com o papel das agências reguladoras e, por conseqüência, com investimentos em setores de infra-estrutura, determinantes do ciclo virtuoso.

Ainda que a avaliação da agência de classificação de risco Standard & Poor’s tenha uma abordagem principalmente macroeconômica, do ponto de vista micro é importante considerar quanto o risco regulatório influencia a avaliação realizada. Talvez por isso os diretores das agências reguladoras, sobretudo as relacionadas aos segmentos de infra-estrutura, estejam na lista dos especialistas freqüentemente “entrevistados” pelas agências de classificação de risco. Isso decorre da necessidade de verificação da capacidade de um determinado país de cumprir os contratos e as regras estabelecidas. Também se verifica se essas regras têm qualidade, no que o aparato regulatório exerce papel fundamental. O Banco Mundial, por exemplo, definiu um conjunto de indicadores para avaliar a governança regulatória, inclusive para o Brasil. Dois desses indicadores interessam diretamente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): a qualidade regulatória, que mede a habilidade do governo e do aparato regulatório para formular e implementar regras consistentes, e as regras e leis, que medem o grau de confiança nas regras pelos agentes do setor, o empenho no cumprimento dos contratos e a confiança no Judiciário.

As agências reguladoras do Brasil, em sua história recente, iniciada nos anos 1990, podem ser analisadas a partir de seu nascimento, que ocorreu em ambiente político e economicamente turbulento, com sucessivas crises. A grave instabilidade macroeconômica teve como conseqüência a elevação do risco País e do risco regulatório. Isso elevou as exigências para novos investimentos privados, com aumento de custos. Tal efeito foi visível no setor elétrico. Por exemplo, o custo da energia comprada por meio de contratos de longo prazo chegou a US$ 70/MWh, e assim ficou até o ano passado, isto é, até o leilão da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, no qual a energia foi negociada a US$ 47/MWh.

Antes de completar uma década de existência, a Aneel deixou sua marca ao assegurar o cumprimento de contratos supostamente caros, mas definidos conforme leis, decretos e resoluções, os quais, somados a outros custos – financeiros, tributos, impostos, etc. -, resultaram em aumentos tarifários que chegaram a 50%. Ademais, a Aneel, com o claro objetivo de reduzir os custos da energia comprada ou a expansão desnecessária da capacidade instalada, também tem incentivado o uso de tecnologia moderna para o combate à fraude e ao furto de energia. Isso elimina o prejuízo causado pelo aumento das perdas não-técnicas, que prejudica a maioria dos consumidores, que paga a conta. Esse combate tem a vantagem adicional de atenuar o desperdício de energia. Afinal, quem não paga o que consome tende a consumir mais do que necessita, o que exige mais investimento em geração, que pode afetar o meio ambiente, num ciclo vicioso.

Porém, mesmo que em casos de certa forma isolados, a regulação da Aneel, sustentada em leis e contratos, tem enfrentado resistências de algumas instituições – provavelmente por falta da compreensão do problema como um todo -, que têm focado mais a atenção no interesse de curto prazo de alguns consumidores (energia barata ou grátis) que no de longo prazo (realização de investimentos necessários para assegurar a continuidade do serviço). E o fazem por meio de ações na Justiça e da criação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) que questionam decisões regulatórias. O foro legítimo deveria ser a própria Aneel, entidade especializada, transparente, que corrige seus erros quando eles ocorrem.

Felizmente, essas pressões são quase sempre equacionadas no Judiciário a favor do respeito aos contratos, o que mostra que a salvaguarda da Justiça contribui para a confiança nas regras e nas leis, elementos essenciais para determinar a qualidade das instituições. Mas só o fato de contratos e regras serem questionados no âmbito político já é motivo suficiente para indicar vulnerabilidade regulatória, com efeitos sobre os custos dos investimentos ou em obstáculos no caminho do triplo A.

Hoje a Aneel sustenta reduções de tarifas que ultrapassam 15% e não se ouvem questionamentos tecnicamente defensáveis quanto aos métodos e à forma como isso é feito, o que demonstra a confiança de todas as categorias de agentes (consumidores, geradores, transmissores, distribuidores e comercializadores) e lhe assegura reputação.

Atualmente a Aneel luta na Justiça para não permitir que a regra do preço spot seja modificada de forma casuística, o que só favoreceria quem tentou comercializar energia sem a real garantia física. O Brasil ganha com tudo isso. Os contratos de compra de energia firmados entre 2000 e 2002 já não têm seus custos questionados, uma vez que são compatíveis com contratos posteriores firmados em leilões, o que demonstra quão fundamental é o cumprimento das regras. Os novos contratos de energia já estão com custos bem menores, o que sintetiza a relação direta entre cumprimento de contratos, qualidade das instituições e custos dos investimentos, relação essencial para a duração do ciclo virtuoso e para facilitar o caminho até o triplo A.

Estamos no caminho certo e as leis e os contratos continuarão a ser os principais instrumentos de trabalho da Aneel.

Edvaldo A. de Santana é diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

Fonte: O Estado de São Paulo